Por General Carlos Alberto Pinto Silva *
1. GENERALIDADES.
“O mundo, atualmente, está em um estado de “Guerra Política Permanente”, onde a paz é relativa, não há inimigo e sim estados com ações hostis em defesa dos seus interesses.”
A guerra russa no século 21 deu início a um novo paradigma, aquele em que os estados estão em conflito permanente entre si, e a maneira que ela melhor opera é nas sombras. Esse modelo, conhecido pelos americanos e pela maioria dos ocidentais como Guerra Híbrida.
A definição de Guerra Híbrida é a fusão de diferentes métodos e teorias de guerra, e guerra em diferentes níveis, em diferentes reinos e domínios, especialmente nos domínios cognitivo e moral, por uma mistura de atores que são organizados no tempo e no espaço para alcançar objetivos em todos os níveis da guerra.
É um conflito com a maioria das suas ações na “zona cinza” (espaço do continuado entre paz e conflito, em que os atores buscam assegurar a conquista de seus objetivos, minimizando a finalidade das ações e a escala da luta real)
O centro de gravidade da ação deve estar voltado a desestabilizar governante, desacreditar autoridades, e em criar o caos controlado na sociedade, sucedendo-se a crise política.
O objetivo é atacar e vencer antes que a comunidade internacional possa intervir com força suficiente para negar a conquista de objetivos. O uso de guerra híbrida com ações em “zona cinza” na busca de objetivos limitados torna esse objetivo alcançável no ambiente operacional contemporâneo, sem provocar uma grande resposta internacional do ponto de vista militar.
“Operações de Influência” na Guerra Híbrida são aquelas focadas em intervir nas percepções e condutas de líderes, grupos ou populações inteiras. São empregadas habilidades para acometer ações, operações de proteção, ordens de comando e, ao mesmo tempo, lançar informações precisas para obter efeitos por todo o plano cognitivo. Esses efeitos podem resultar em ações contaminadas ou em alterações no ciclo de decisões do adversário.
As competências militares das “operações de influência” são as operações psicológicas.
2. COGNIÇÃO E GUERRA
Segundo o Dr. Oe. Jānis Bērziņš, pesquisador sênior do CSSR, membro Academia de Defesa Nacional da Letônia, membro sênior da Fundação Potomac e do Centro de Guerra de Nova Geração, ambos dos Estados Unidos. E ex-conselheiro do Comitê Seleto de Defesa da Câmara dos Comuns do Reino Unido, além dos governos sueco e polonês: em Palestra Apresentada em West Point USA, referindo-se à Cognição e Guerra:
– a guerra é política;
– as Forças Armadas são um dos muitos instrumentos para alcançar objetivos políticos;
– o cérebro humano é o campo de batalha final;
– o objetivo é obter controle sobre o processo cognitivo de um adversário para influenciar suas percepções, comportamento e decisão, fazendo em nível individual e coletivo; e
– deve-se buscar alinhamento com os objetivos políticos, sociais, econômicos e militares/táticos do atacante.
2.1 GUERRA COGNITIVA
A guerra cognitiva é uma forma de conflito que utiliza informação, tecnologia e operações psicológicas para influenciar as percepções, crenças e decisões dos adversários. O objetivo da guerra cognitiva é interromper ou explorar as habilidades de tomada de decisão de um oponente, manipular suas percepções e, finalmente, obter uma vantagem estratégica.
Pode incluir operações psicológicas como propaganda ou desinformação, ataques cibernéticos e disseminação de informações falsas por meio de comunicação digital. Atores estatais e não estatais podem se envolver na guerra cognitiva e isso pode ter impactos significativos nas de tomada de decisão dos oponentes.
2.2 GUERRA MENTAL
É o uso pelo adversário de um sistema de métodos e meios de influência visando a atuar na consciência social:
– Mentalidade.
– Identidade.
– Tradições históricas.
– Valores.
– Emoções.
Seu objetivo é paralisar, transformando ou destruindo, o objeto de influência:
– Consciência social.
– Instituições públicas.
– O aparelho de estado.
– As Forças Armadas.
Uma guerra mental é a soma coordenada de várias atividades, em escala de operações, destinadas a “conquistar” a consciência do adversário a fim de paralisar sua vontade e mudar o indivíduo, e também, a conscientização em massa da população, para: desmoralizar o Exército e a sociedade; destruir os valores espirituais, morais, tradições, valores culturais e fundamentos históricos do estado; e apagar a identidade nacional de o povo (Ilnitsky 2021).
A guerra mental é entendida como o uso pelo adversário do sistema de métodos e meios de influência destinados a derrotar a consciência do público (mentalidade, identidade, tradições históricas, valores, etc.) do lado oposto, tanto em tempo de paz quanto em conflito militar. Seu fim é a destruição ou transformação do objeto da influência: destruição da consciência pública; das instituições públicas; do estado; das Forças Armadas; etc (Karavaev 2022).
2.3 INSTRUMENTALIZANDO A GUERRA MENTAL.
A Guerra Mental é operacionalizada de forma audaciosa e sem aviso antecipado, empregando meios furtivos a expectadores desatentos às estratégias utilizadas, desencadeando e objetivando:
– Ações agressivas (ataque) que têm início sem sua declaração, possui natureza evolutiva e permanente, conduzidas em zonas cinzentas, e que frequentemente resultam na derrota do Estado vítima, por causa de sua incapacidade para dar uma reposta;
– que os Estados Nacionais derrotados sejam desmantelados, muitas vezes sem que seu território seja ocupado, ou perdido, não tanto quanto os recursos da sua população, sua vontade política e oportunidade de autogoverno.
A Blitzkrieg nesta guerra consiste em paralisar a vontade do adversário, impactando sua elite e mídia, para posteriormente destruir instituições estatais e desintegrar o Exército, as Forças Armadas e de Segurança, e agências, com as próprias mãos.
3. GUERRA MENTAL CONTRA O OCIDENTE.
Essa guerra mental visa, entre outros aspectos, atingir a mente não só do(s) Estado(s) alvos, como, também, a de líderes de vários países, do mercado financeiro mundial, da mídia internacional e a de habitantes de todo o planeta
PRINCIPAIS TÓPICOS EXPLORADOS:
– destruir a visão de mundo e fundamentos civilizacionais do oponente;
– explorar a fragilidade peculiar do Ocidente;
– aproveitar a alteração de valores da inteligência humana. Antes = físico, emocional, intelectual; hoje = intelectual, emocional, físico;
– reformatar a consciência das amplas massas sociais e impor as atitudes essenciais nos outros, torna-se uma das condições importantes para alcançar a vitória na guerra moderna;
– substituir a tomada de território pela derrubada do governo, levando ao poder forças políticas leais;
– privar o objetivo de influência da soberania e colocá-lo sob controle externo; e
– intuir que a Guerra Cognitiva/Mental não necessariamente substitui a guerra cinética.
4. UMA OPINIÃO.
A abordagem russa da Guerra Híbrida é vista como um exemplo de como operar agressivamente sem provocar uma grande resposta internacional do ponto de vista militar.
A Guerra Híbrida, assim como o modo de guerra de qualquer nação ou sociedade, está explicitamente ligada ao país, de onde deriva seu poder.
A Guerra Híbrida não pode ser entendida e explicada à luz dos pensamentos político e militar ortodoxos.
* Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.