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A tortura não é filha de ideologias
A tortura não é filha de ideologias

A tortura não é filha de ideologias

Por General de Brigada Veterano Luiz Eduardo Rocha Paiva (1)

“Depois de vinte e cinco anos do final da ditadura militar a tortura ainda continua no Brasil”. Essa citação é a primeira frase do relatório Uma Experiência de Monitoramento de Detenção para Prevenção da Tortura, produzido pela Pastoral Carcerária [-] O texto revela que a tortura é uma prática generalizada”2 (05/09/2010). Quem diria! Um relatório revela que a tortura é prática generalizada em pleno Estado democrático de direito, que na verdade é apenas Estado, pois tem muito pouco de democrático e ainda menos de direito.
O livro “Brasil, nunca mais” (Arquidiocese de São Paulo, 1985) apontou 1.918 denúncias de torturas durante o combate à luta armada nos governos militares, em arquivos do STM, numa pesquisa feita antes da Lei de Indenizações de 1995. Publicada essa Lei, quanta coincidência, houve um salto de 1.918 para 20 mil torturados3, segundo o livro “O golpe de 64 e a ditadura militar” de Júlio José Chiavenatto (Editora Moderna, 1997, SP, p. 131).
Longe de desconsiderar a hediondez do crime ou reduzir sua gravidade, à luz da fria análise dos dados apontados e considerados os dez anos de luta armada (1966-1976), verifica-se que teria ocorrido “menos de uma” tortura por dia, segundo o dado do livro “Brasil, nunca mais”, ou entre cinco e seis casos, segundo o dado do livro de Chiavenatto.
Será que todas as denúncias são verdadeiras? A jornalista Mirian Macedo teve a coragem moral de confessar em seu Blog o seguinte: [Início do relato]4 – Menti quase 40 anos que tinha tomado choques elétricos, que me deram socos e empurrões, que me ameaçaram de estupro. Minha irmã, também presa, não teve um único fio de cabelo tocado. Teve gente que padeceu. Mas a maioria destas ‘barbaridades e torturas’ era mentira! Ninguém apresentava a marca de um beliscão no corpo. Ninguém tinha uma única mancha roxa para mostrar! Mário Lago ensinava: ‘ao sair da cadeia, diga que foi torturado. Sempre’. Vaidade e mau-caratismo puros. Saíamos com a aura de heróis e a ditadura com a marca da violência. Para um revolucionário comunista, a verdade é um conceito burguês” [Final do relato].
Márcio Del Cístia escreveu sobre uma conversa com um amigo que servira na área de Inteligência no regime militar. [Início do relato]5 – E perguntei-lhe sobre os métodos de tortura. Ainda me ecoa na memória a vasta gargalhada em resposta. Entre surtos de riso divertido, à medida que antigas cenas lhe acorriam, narrou suas experiências nos interrogatórios dos ‘guerrilheiros’: “Nosso problema era fazê-los calar, não falar…” Eram uns pobres diabos apavorados para quem a ficha da realidade começava a cair e que, para a maioria de nós, profissionais, inspiravam pena e até impulsos de proteção. Podíamos perceber que haviam sido seduzidos e manipulados por líderes carismáticos do movimento e canalhamente usados para buchas de canhão e produção de “mártires” úteis à propaganda. Não tinham solidez em suas convicções, nem consciência do que fosse uma condição de guerra com os riscos pessoais que acarreta. Haviam vivido sonhos tontos de adolescentes entre nuvens de maconha, fumos marxistas e pregações leninistas; suas fantasias de ações terríveis, bravura e sacrifícios heroicos desmoronavam fácil ante o choque da realidade crua… Acho que se viam como guerreiros duros quando usavam armas contra civis desarmados [-] Não tortura, mas apenas medo soltava-lhes as línguas. Contavam tudo em detalhes, entregavam… companheiros fornecendo nomes, apelidos, descrições, endereços, planos… Sua ânsia de livrar a própria cara acusando ‘irmãos de guerrilha’ divertia alguns dos nossos, mas mesmos estes acabavam sentindo dó ante tanta fraqueza de caráter. [-] Uma vez soltos, precisavam apresentar desculpas aos companheiros, já que temiam – e com razão – serem justiçados como ‘traidores’. Daí as histórias de torturas e sevícias pelos monstros-milicos, tanto mais terríveis os ‘sofrimentos’ relatados quanto maiores e mais detalhados houvessem sido os relatórios fornecidos sobre seus ‘camaradas revolucionários’. Ademais, como é inevitável em tais tipos de caráter, muitos deles desenvolveram ódio feroz contra nós, testemunhas a contragosto de sua covardia [Final do relato].
É claro que houve tortura, mas também é inegável que os militantes presos eram orientados a mentir que tinham confessado sob tortura para, assim, anular o processo ou ter atenuada sua pena. A execrável prática da tortura havia antes, houve durante o regime militar e continua havendo agora em delegacias, presídios e áreas dominadas pelas ORCRIM.
No entanto, nos quase 40 anos de plenas liberdades democráticas após o regime militar, houve muito mais vítimas da omissão ou da violência, legítima ou não, do Estado dito democrático de direito, e de criminosos do que nos anos de 1964 a 1985. Entre as vítimas, estão cidadãos honestos e suas famílias, massacrados por quadrilhas de bandidos ante a inépcia dos governos. Estão seres humanos em presídios e cadeias onde são tratados como escória. Diferente de muitos que se envolveram na luta armada, essas vítimas não são das classes favorecidas, não têm “sobrenome”, não defendem ideologias marxistas e, por isso, não têm a solidariedade dessa esquerda radical revanchista, incoerente e hipócrita, encastelada nos Poderes da União, nem serão indenizadas pelas violações que sofrem. Por outro lado, a fonte dos recursos do crime organizado – os corruptos de “colarinho branco” – permanece intacta, pois galgou os mais altos escalões da sociedade e da política e tem assegurada a impunidade.
Se o período do regime militar foi o dos “anos de chumbo”, como denominar as quatro últimas décadas?

(1) Ex Comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e do 5º Batalhão de Infantaria Leve Aeromóvel (Lorena – SP); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil; e Diretor de Geopolítica e Conflitos do Instituto Sagres.

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