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A culpa é de quem, Guzzo?
A culpa é de quem, Guzzo?

A culpa é de quem, Guzzo?

Por Márcio Amaro *

Desfrutamos a melhor das épocas, mas vivemos o pior dos tempos.

Ainda que paradoxais, as afirmações acima encerram uma idéia que tem se mostrado recorrente ao longo de nossa História. O próprio Sócrates, segundo dizem, encantava-se com a sofisticação de sua Atenas natal, mas não deixava de considerar que os jovens de seu tempo gostavam do luxo, eram mal comportados, desprezavam a autoridade, não tinham respeito pelos mais velhos e passavam o tempo a falar em vez de trabalhar.

Se a sociedade brasileira chegou a um estágio tal de comprometimento da ordem que ameaça a ruptura do tecido social e evidencia a necessidade de mudanças nos papéis desempenhados pelos diferentes órgãos que constituem nossa superestrutura, certamente não há apenas um culpado, nem tampouco uma única instituição que desconheça como se enquadrar na realidade distópica que se descortina a nossa frente.

Em artigo recente para a Revista Oeste, o respeitado jornalista J.R. Guzzo questiona o comportamento das Forças Armadas tendo como pano de fundo os desmandos perpetrados por facções criminosas no Estado do Rio Grande do Norte e coloca a nós, militares, como co-partícipes na situação de anomia que caracterizou a atuação não apenas da governadora Fátima Bezerra, mas também do governo federal que se limitou a prometer a remessa de 100 milhões de reais para sanar o problema da violência. Esses recursos seriam investidos no complexo da Polícia Civil, na aquisição de câmaras para os policiais e na atualização tecnológica da polícia científica. Seria algo semelhante a tentar curar a fome do Chade criando um canal de televisão que transmitisse receitas com filé mignon e frutos do mar, sendo que nem mar o Chade possui.

Em sua narrativa, Guzzo apresenta uma série de dados, alguns corretos e outros nem tanto, sobre a evolução histórica e política do Brasil que, por fim, acabaram nos trazendo até o momento de extrema dificuldade que atravessamos.

Mas proponho uma análise maiêutica, ao estilo socrático, cujo criador ilustrou as primeiras linhas deste texto.

Quem define os papéis sociais a serem desempenhados pelos diversos atores que interagem em determinado momento, inseridos em um sistema construído a que damos o nome de Nação?

Ora, por certo, caso nosso Sócrates revivido fizesse essa pergunta a um Adimanto ou Glauco da modernidade, a resposta seria algo como: – Por Zeus, Sócrates, cabe a todos aqueles que devem se submeter às regras que forem estabelecidas, no caso, a todos os brasileiros.

Mas é possível a todos os 220 milhões de nacionais se manifestarem sobre tais regras?

Por óbvio que não. Por isso que nossa Constituição estabelece que o poder emana do povo e será exercido diretamente ou por meio de seus representantes.

Temos, pois, os primeiros responsáveis: os representantes do povo! Foram eles que permitiram que a situação brasileira chegasse ao ponto que se encontra. Foram nossos parlamentares que aprovaram leis inexequíveis, sistemas de freios e contrapesos inoperantes, poderes da República absolutamente dependentes entre si, tanto para nomeação quanto para a manutenção nos cargos, gerando um ciclo vicioso representado pela máxima “eu finjo que não te vejo e tu finges que não me enxerga”.  

Assim, figuras como Renan Calheiros, Lula, Boulos, Pacheco, Gilmar Mendes, Toffoli e outros tantos, vão se formando e se mantendo no poder sem que nada os ameace ou os constranja a seguirem o conjunto de normas que juraram cumprir e fazer cumprir.

Uma vez tomado o poder, que é muito diferente de se ganhar uma eleição, como disse o grande teórico desses últimos trinta anos de nossa história, fica muito difícil pelas vias normais de ser restabelecida a ordem constitucional e democrática.

Ora, reduzindo o espectro político a duas forças antagônicas, uma que empreende seus esforços com base no ideal da igualdade e outra que se dedica a operar segundo os valores da liberdade, observamos que apenas uma dessas linhas de pensamento se dedicou, nas últimas décadas, a desenvolver um arcabouço teórico capaz de transformar aquilo que já foi testado, fracassou e foi descartado em diversas partes do mundo, em algo absolutamente inédito, capaz de produzir riqueza onde nada existe, distribuição de renda onde renda não há e igualdade entre desiguais, por mais que se desigualem. E aqui temos outros culpados: por onde estiveram os intelectuais daquela força política que se costumou chamar de Direita? Onde está a produção de idéias que divulguem e comprovem cientificamente aquilo que deveria ser empiricamente claro a todos: somos bilhões de indivíduos, com características diversas, capacidades diferentes e interesses ímpares. A associação involuntária e o alinhamento dos interesses difusos tendem a nos conduzir ao bem-comum a partir da distribuição de riqueza operada pela aplicação dos meios de produção, que incluem o capital e o trabalho. Quem tem capital o arrisca com vistas a multiplicá-lo, ofertando um bem ou serviço. Quem dispõe apenas de sua força de trabalho a oferece com vistas a prover seus próprios meios de subsistência e, com base em sua capacidade e esforço, produzir também seu capital. Ao governo compete regular essas interações, impedindo abusos.

Coube a um médico francês, François Quesnay, apenas no século XVIII, estruturar o esquema do fluxo de trabalho e renda, a que se deu o nome de Tabela Econômica. Não há forma mais eficiente de se desenvolver a economia e, consequentemente, as condições de vida de determinada população que não seja com base nas interações espontâneas geradas pelos interesses particulares, com base na imutável lei da oferta e da procura, com os mínimos ajustes promovidos por um governo eficaz.

Talvez os intelectuais que pudessem produzir conhecimento a partir dessa idéia estivessem muito ocupados gerando renda, enquanto seus colegas igualitaristas se atinham em conquistar corações e mentes, particularmente de jovens, foco das preocupações desde Sócrates, incutindo-lhes a falsa percepção de que somos todos iguais e o retorno à Natureza pregado por J.J. Rousseau é possível, mantendo-se também a gloriosa aventura propiciada por vídeo games, celulares, tecno music e fumaças inebriantes.

Perdeu-se uma guerra cuja estratégia fora construída por filósofos alemães em Frankfurt e por um italiano de vida breve, Antonio Gramsci. Os combates propostos não se dariam no campo bélico, como pregava Marx, mas na esfera cultural, com a desconstrução de tudo o que pudesse representar o domínio de classes abastadas sobre os estamentos mais populares.

A guerra cultural se tornou tão absurdamente intensa que hoje pessoas são ameaçadas de prisão se afirmarem verdades biológicas absolutas, como a coincidência entre o sexo e os pares de cromossomos sexuais.

Na esteira das novas verdades construídas, foram cooptados diversos formadores de opinião de nossa sociedade, incluindo juízes, jornalistas, políticos, professores, religiosos e até empresários que, por mais ricos que sejam, se submetem aos ditames da igualdade, sob o receio de serem cancelados e terem seus lucros diminuídos.

Sob minha particular forma de ver as coisas, um campo social se manteve parcialmente imune à imposição cultural de origem exógena: os militares.

Possuidores de um sistema de ensino desvinculado do Ministério da Educação, os militares mantém sua formação afastada dos conceitos de Paulo Freire, cuja inspiração perpassa não apenas pelos reformadores da Escola de Frankfurt como também pelos próprios idealizadores do pensamento socialista do século XIX, Marx e Engels.

Certamente, vem daí o desejo declarado da parcela dominada pelo chamado pensamento “progressista” de desconstruir a formação militar, mudar suas bases doutrinárias e subjugar esse último bastião do conservadorismo de nossa sociedade.

Afirmo-lhes: se nada for feito, eles vão conseguir. A cada período que forças progressistas permanecem no poder, mais próximos estamos da catástrofe que caracteriza as sociedades em que tais forças se tornam hegemônicas e, em geral, únicas.

Mas, por que os militares não reagem e não derrubam essas forças indesejadas que infestam os três poderes da República, honrando assim os recursos que consomem há mais de 150 anos sem guerra?  

Para responder a essa questão, creio que seja mais adequado iniciarmos pelo fim. A eficácia de um exército não é medida pelo tempo que permanece em guerra. Muito pelo contrário. Quanto menos tempo o flagelo da guerra impedir ou dificultar o desenvolvimento de uma nação, mais eficaz terá sido a parcela armada de sua população. É quase infantil o pensamento de que nenhum outro país do entorno ou mesmo distante, deixaria de ter interesse em agregar parcelas significativas do território brasileiro, tão rico e com potencial para fornecer imensa prosperidade, não fosse a existência de um Exército capaz de dissuadir qualquer aventura contra o Brasil. A Nação dá suporte às Forças Armadas para que elas estejam em condições de defendê-la, e o ideal é que nunca sejam utilizadas.

Com relação ao emprego de força para a tomada do poder no Brasil, volto mais uma vez à fundamentação socrática: após sua condenação à morte, o filósofo permaneceu aguardando o cumprimento da pena, enquanto se desenvolviam determinados cultos votivos. Instigado por seus seguidores a fugir de destino cruel que lhe fora imposto por leis injustas, Sócrates formulou aquele que talvez tenha sido seu maior ensinamento e que fundamenta o pensamento ocidental.

Não se responde a uma lei injusta com injustiça maior. Se o respeito às leis nos trouxe até onde estamos, devemos seguir as respeitando. Se os resultados atingidos não são os esperados, que o poder originário, o povo, chame a si a responsabilidade e isso não se faz reunindo pequenos grupos em frente de quartéis. Isso se faz na rua, de forma ordeira e pacífica, mostrando aos representantes que claramente, a maioria da população não suporta mais sustentar maus brasileiros que, indiferentes ao bem-comum, agem em benefício próprio ou de seus grupos de interesse.

Enquanto o povo não mostrar seu poder, não deixar de votar em Fátima Bezerra, em Lula, Boulos e outras nulidades, não deixaremos de ter pessoas incapazes na corte máxima e o ciclo vicioso se perpetuará. Intelectuais e jornalistas seguirão dizendo que tudo está ruim, mas isso é bom, políticos corruptos continuarão mandando no Brasil, os jovens seguirão sendo enganados por discursos vazios e juízes permanecerão atuando contra a lei que deveriam proteger.

Não posso dizer a quem cabe a responsabilidade por termos chegado ao ponto que nos encontramos, mas as Forças Armadas não devem aceitar a culpa sobre eventos pelos quais a lei não lhes atribui qualquer capacidade de decisão. Se a maioria acredita que a norma vigente é injusta, que utilize seu poder democrático e mude a lei.

* Márcio Roberto Amaro é coronel da reserva do Exército, formado em Administração e MBA em Gestão Empresarial

Entre outros, possui curso de Psicopedagogia, Análise do Espectro Eletromagnético, Gestão de Comunicações, Política e Estratégia de Governo, Gestão do Ensino Superior e Mestrado em Sistemas de Comunicações Militares.

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